O mais icônico movimento de contestação à Coroa Portuguesa durante a colonização era, na verdade, bem eclético: envolvia desde homens de negócios, ricos fazendeiros — membros da elite econômica de Minas Gerais, em geral —, a homens letrados, com altos cargos públicos na administração lusa, que almejavam explorar todo o potencial da Capitania, incluindo a emancipação política e a diversificação das atividades econômicas para muito além da questão aurífera, responsável pela maior parte dos lucros da Coroa.
Os membros da conspiração eram mestres no contrabando e na sonegação de impostos. Este fator, aliado ao rareamento do ouro, teria sido o responsável pela imposição da “derrama”, para compensar, o que incidia sobre toda a população da capitania, além de anular todos os demais contratos dos mineiros e restringir o acesso da elite local a postos na administração régia.
Caracterizada por seus ideais iluministas, a Inconfidência Mineira antecedeu a Revolução Francesa e teve como inspiração a Revolução Americana, cujas ideias republicanas, de autossuficiência econômica e autonomia política circulavam pelo mundo ibero-americano através dos portos de navegação e, dali, para os lugares onde as mercadorias eram escoadas.
Rapidamente, o movimento ganhou adeptos. O auferes Tiradentes foi seu maior propagandista, saindo com frequências às ruas, enquanto fazia o patrulhamento, para angariar apoiadores. Teria como início um motim, assim que a “derrama” fosse implementada. Mas não saiu do papel, seja por falta do desejado apoio de outras capitanias, seja pela conjuntura global desfavorável. O fato é que seus integrantes foram traídos, e um deles, Joaquim Silvério dos Reis, fez a denúncia, esperando que, com isso, pudesse ter suas dívidas perdoadas pela Coroa.
Condenados pelo crime de Inconfidência, os integrantes da conspiração foram presos e torturados, e pelo menos um deles condenado à forca: não o líder, mas o auferes Tiradentes, seu maior propagandista.
Entretanto, o termo “Inconfidência”, cujo significado pejorativo, que fazia apologia ao ato de subornar uma autoridade, ganharia novos contornos após a independência brasileira. Foi alçado herói pela mesma nação, que agora emancipada de Portugal, também condenaria qualquer prática contrabandista e de sonegação.
Qual o critério a ser levado em conta para um Estado ser considerado justo ou injusto? O fato é que qualquer parâmetro que se estabeleça em torno dessa questão será arbitrário. E a quem cabe decidir? Se for um dos cidadãos, não faz sentido, visto que imposto é uma obrigação para ele e não se trata de uma negociação. Se for o próprio governo a tomar partido, já expõe o mesmo problema: é só mais uma prova de que não existe de fato critério para imposto abusivo e não abusivo, somente o que for estipulado pelo governo. Sendo o Estado um monopólio jurídico — e, portanto, do direito legal de defesa —, tudo o que se constrói sobre alicerces políticos está sujeito a ser revogado, pois é algo que depende da luta constante pela posse do poder público.
As pessoas que consideram um Estado “legítimo” e, portanto, criminalizam o contrabando e a sonegação costumam ser as mesmas pessoas que, diante de um Estado que consideram “ilegítimo”, vangloriam qualquer uma dessas práticas. Pois não é a justiça que sustenta o Estado, mas a legitimidade psicossocial e o reconhecimento como tal perante as demais instâncias do poder oficial.
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